Pessoalmente | Solidão é uma experiência que não escolhemos – o que nos obriga esta pandemia?
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Solidão é uma experiência que não escolhemos – o que nos obriga esta pandemia?

Vivemos uma era de tensões sociais e psicológicas verdadeiramente significativas, lutamos pela sobrevivência física, mental e económica numa época de incertezas e indefinições. Da ansiedade à solidão, que impacto está a ter este vírus em cada um de nós? 

O novo coronavírus varreu o mundo num momento em que as pessoas vivem mais sozinhas do que nunca na história da humanidade (e ainda que haja uma diferença entre viver sozinho e sentir-se sozinho), esta realidade pode ser um fator crítico em semanas de quarentena. À medida que esta pandemia se foi alastrando, forçando o distanciando social, tem limitado a nossa capacidade de ver, conversar, abraçar ou passar tempo com aqueles que nos são especiais. A vida tornou-se mais áspera, mais sobrevivente do que viva. 

A ciência diz-nos que a ansiedade e isolamento têm um elevado impacto na nossa saúde, fragilizando o nosso sistema imunitário, ficamos mais vulneráveis a doenças – pressão arterial elevada, batimento cardíaco acelerado, presença de hormonas do stress e inflamação – entre pessoas que, de outra forma, não ficariam doentes. A solidão prolongada pode até aumentar as taxas de mortalidade. Em 2015, Julianne Holt-Lunstad, neurocientista e psicóloga da Universidade Brigham Young, publicou uma análise de setenta estudos, envolvendo 3,4 milhões de pessoas, examinando o impacto do isolamento social, da solidão e de viver sozinho. Os resultados foram notáveis ​​à luz da pandemia de hoje. A análise constatou que a solidão aumentou a taxa de mortes precoces em 26%; o isolamento social levou a um aumento da taxa de mortalidade de 29% e morar sozinho em 32% – independentemente da idade, sexo, localização ou cultura do sujeito. Ainda que este dados sejam relativos a efeitos de longo prazo e a ruptura com o padrão de vida que estamos a viver atualmente seja expectavelmente temporário, o perigo é que as pessoas permaneçam isoladas após o risco se dissipar. Quando uma situação se torna insegura, mesmo depois do problema resolvido, as pessoas têm dificuldade em voltar a confiar. Esta “recuperação” pode ser lenta e difícil. 

Compreender a ciência ajuda. Solidão não é apenas um sentimento. É um sinal de alerta biológico para procurar outros seres humanos, assim como a fome é um sinal que leva uma pessoa a procurar comida ou a sede é um sinal para procurar água, disse Holt-Lunstad. Historicamente, as conexões têm sido essenciais para a sobrevivência. Durante esta pandemia de coronavírus, o sinal de solidão pode aumentar para muitos – mas com maneiras limitadas de aliviá-lo.

A interseção de múltiplos desafios durante a crise Covid-19 – saúde, emprego, casa, família e acesso a recursos – tem produzido uma confluência extrema de circunstâncias que aumentam significativamente o risco de depressão e perturbação de stress pós-traumático, associado a zonas de guerra ou violência física. Também agora vivemos um contexto onde perdemos as nossas pessoas especiais, casas, empregos e segurança financeira. Sue Varma, médica, directora e fundadora do programa de saúde mental do World Trade Center da Universidade de Nova York referiu “O que é diferente hoje dos ataques do 11 de Setembro, do Furacão Katrina ou do Tsunami no Japão é que esses episódios tiveram finais finitos. Com esta pandemia, não vemos um fim à vista, por isso é mais traumático.”

O trauma é agravado porque as pessoas não têm as saídas habituais – outras pessoas – não têm sequer para onde ir. O poder do toque liberta ocitocina, a hormona natural do amor. Nas condições atuais, as pessoas não estão a receber o mesmo nível de libertação de ocitocina do contato humano.

Estudos mostram que as consequências para a saúde da solidão prolongada são equivalentes a fumar quinze cigarros por dia, afirma Varma. A condição pode levar a doenças cardiovasculares, obesidade ou morte prematura. Está associado a um aumento de quarenta por cento no risco de demência, concluiu um estudo da Faculdade de Medicina da Universidade Estadual da Flórida, em 2018. A solidão aumenta igualmente o risco de depressão clínica, que tem os seus próprios perigos estatísticos. 

A pandemia está a forçar a espécie humana – e nosso cérebro – a fazer o oposto do que aprendemos a fazer ao longo de milénios para sobreviver. O cérebro tem largura de banda limitada para resolver problemas e regular emoções, afirma James Coan, neurocientista da Universidade da Virgínia; desta forma a nossa intensa sociabilidade para servir este propósito de expandir essa “largura de banda”. O cérebro processa todo tipo de informação com mais eficiência na presença de outras pessoas, mesmo que estejam a um metro e oitenta de distância, do que quando está sozinho ou a interagir com alguém através de uma tela ou telefone. “Praticamente todos nós preferimos uma pessoa viva do que uma pessoa remota”, explicou. “É um princípio biológico chamado economia de ação. O cérebro quer fazer algo com o menor custo possível, e estar com os outros reduz o custo de quase tudo o que faz.” Coan descobriu que simplesmente dar as mãos a um ente querido pode diminuir a ansiedade que leva uma pessoa a reagir ao stress e até reduzir a atividade na “assinatura da dor neurológica”, resultando num efeito analgésico comparável ao medicamento. O toque acalma a atividade emocional do cérebro, mas a conexão via videoconferência exige um circuito extra do cérebro para obter o mesmo efeito. “A videoconferência pode ajudar”, diz Coan, “mas exigirá mais trabalho do cérebro do que a presença física”.

Nos seis continentes, as pessoas demonstraram engenhosidade ao fazer conexões virtuais – através do Zoom, Skype, FaceTime e outras plataformas digitais – desde que o coronavírus se tornou global, em Fevereiro. Existem sites de jogos onde os amigos podem competir virtualmente e clubes virtuais onde as pessoas postam vídeos a dançar com a mesma música, organizam-se festas virtuais… A longo prazo, no entanto, recorrer a dispositivos para regular o stress causado pelo distanciamento e isolamento sociais fornecerá retornos decrescentes. “Os humanos têm essa necessidade terrível de se conectar. O nosso cérebro aprendeu através de lições evolutivas brutais que o isolamento social é uma sentença de morte”, partilha Coan.

Pode haver um subproduto positivo da pandemia. “Acredito que é uma bênção que a humanidade no mundo ocidental tenha essa doença”, diz Ami Rokach, psicólogo clínico da Universidade de York, no Canadá. No século passado, a vida humana  concentrou-se cada vez mais em dinheiro e bens materiais, o que, principalmente com a tecnologia, levou à negligência das relações humanas. Agora que estamos repentinamente presos em casa, o melhor meio de sobreviver, psicológica e biologicamente, é interagir com as pessoas por todos os meios disponíveis. “Solidão é uma experiência que não escolhemos. É sempre doloroso”, diz Rokach. “Quando terminarmos o período de isolamento, acho que a sociedade não mudará. Somos aprendizes lentos como espécie. Mas estarmos juntos pode fortalecer os  nossos laços interpessoais, ilustrando que a conexão humana pode ajudar a proteger a nossa saúde e salvar a nossa sanidade”.

 

Vera Lisa Barroso, Pessoalmente ®

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