25 May Os porquês e os caminhos do amor próprio. Repensar o Narcisismo
Todos nós temos uma pessoa na nossa vida sobre quem o mundo gira… a pessoa mais importante da sala!
Provavelmente cresceu a ouvir que deveria pensar mais nos outros. E, no entanto, nem todos parecem capazes de o fazer. Inspirada no livro “Rethinking Narcisism” de Craig Malkin vou escrever algumas linhas sobre aquele que parece ser o tema da moda pelo seu autoengrandecimento que, claramente, não é o único sintoma do narcisismo. Existem muitas formas e graus…
O narcisismo tem sido debatido desde os tempos antigos
Já ouviu provavelmente o mito de Narciso – o caçador extraordinariamente bonito, que, depois de evitar a ninfa da montanha Eco, se apaixonou pelo próprio reflexo num lago e, incapaz de se afastar, pereceu à beira da água. Claramente, o amor próprio tem sido um tema controverso desde os tempos antigos.
Em 350 a.C., Aristóteles perguntou a quem o homem de bem deveria amar mais: a si mesmo ou aos outros? Por fim, Aristóteles decidiu que o homem bom é aquele que mais se ama. Se, alguns séculos antes, tivesse feito a mesma pergunta a Buda, teria obtido uma resposta muito diferente. Buda afirmou que o “eu” não é mais do que uma ilusão, e que ao amar os outros, ama-se a si próprio.
Mas foi só no início do século XX que a palavra narcisismo apareceu pela primeira vez, cortesia de Sigmund Freud. Freud afirmava que, para estabelecer relações significativas com os outros, uma pessoa deve primeiro apaixonar-se por si mesma. Num famoso artigo, On Narcissism: An Introduction, publicado em 1914, Freud teorizou que a infância é a fase em que nos apaixonamos por nós mesmos.
Quando somos crianças, desenvolvemos amor próprio depois de testemunhar todas as coisas de que somos capazes. Segundo Freud, este é um passo saudável e necessário no nosso desenvolvimento. Sem ela, não conseguiríamos descobrir a nossa própria importância e, posteriormente, teríamos dificuldade em chegar aos outros. Nesse sentido, o amor próprio foi algo positivo para Freud. Mas quando se tratava de sua visão da natureza humana em geral, ele era decididamente pessimista. Freud argumentava que os seres humanos são movidos por instintos agressivos e sexuais. Décadas mais tarde, Heinz Kohut, um psicanalista austríaco, opôs-se a esta ideia. Kohut acreditava que os seres humanos são movidos pela necessidade de desenvolver uma autoimagem saudável. Assim, o narcisismo é central para a teoria de Kohut. O amor, admiração e consolo daqueles que nos rodeiam é o que nos faz sentir especiais, permitindo-nos crescer enquanto indivíduos confiantes e com amor próprio.
O narcisismo como um espectro
Como seres humanos, não somos nem puramente bons nem puramente maus. Somos uma mistura de pontos fortes e vulnerabilidades, o que ajuda a evitar o pensamento a preto e branco ao “avaliarmos” o caráter de uma pessoa. Em vez disso, imaginar um espectro ao longo do qual se encontram diferentes traços de personalidade dá uma compreensão muito mais precisa da natureza humana.
Usar um espectro também é útil quando se pensa em narcisismo. Num extremo, temos a ausência – um zero no espectro – e, no outro extremo, temos uma dependência, um dez no espectro.
Uma pessoa cujo narcisismo é zero não tem desejo de se sentir especial, acreditando que não é digna de amor ou cuidado dos outros. Do lado oposto, as pessoas com uma dezena no espectro do narcisismo vivem em constante necessidade de validação; podem afastar as pessoas com arrogância e sentem-se profundamente perturbadas quando os que as rodeiam não reconhecem a sua importância. Obviamente, a vida a zero e dez é bastante extrema. No entanto, viver entre dois e três, ou entre sete e oito, também tem os seus desafios. Aqueles com dois e três no espectro podem ocasionalmente sentir o desejo de se sentirem especiais, muitas vezes reprimindo este desejo quando o fazem. Aqueles entre sete e oito, em contraste, acham difícil gerir a sua necessidade de se sentirem especiais e tendem a ser bastante auto-centrados.
Se no seu caso, se identifica com uma posição entre quatro e seis, certamente sente/experiencia este tema com bastante estabilidade. A vida aos cinco, porém, dá o melhor dos dois mundos! Se é um cinco no espectro do narcisismo, procura ser bem-sucedido sem ser consumido por este objectivo e pode colocar as suas próprias necessidades de lado quando os outros lhe pedem apoio. A moderação é fundamental. Mas será realmente alcançável?
O narcisismo flutua em três formas diferentes
Nada é estático em nós. O narcisismo flutua – ou seja, “subimos e descemos” no espectro dependendo das situações com as quais somos confrontados. Basta pensar no que é ser adolescente. A adolescência é uma fase da vida em que as pessoas deixam a segurança dos pais e procuram a sua própria identidade. Este auto-centramento é muitas vezes necessário e o que dá aos jovens adultos aquilo que precisam para sair do ninho e entrar no mundo.
Além de diferentes graus, existem também diferentes formas. Segundo Malkin, narcisismo extrovertido, narcisismo introvertido e narcisismo social. O narcisismo extrovertido é provavelmente o que mais está familiarizado: a constante busca de atenção, aproveitando qualquer oportunidade para mostrar riqueza, boa aparência ou talento.
O narcisismo introvertido, por outro lado, é mais difícil de identificar. A ideia de se ser criticado ou julgado é tão temida, que se manifesta num evitamento da atenção dos outros a todo o custo (ainda que internamente possa existir uma crença de superioridade).
Finalmente, o narcisismo social é aquele que já pode ter reconhecido, mas gerou controvérsia. Já conheceu alguém bastante orgulhoso pelo seu trabalho de caridade? Bem, este tipo de narcisismo orgulha-se de ser doador e, por isso, mais atencioso, compreensivo e generoso do que todos os outros, exibindo cada boa ação que faz.
Os alicerces do amor próprio
Os nossos genes não determinam apenas as nossas características físicas e predisposição física. Ao nascer, já estamos biologicamente programados com tendências comportamentais, incluindo o narcisismo! Alguns de nós podem ter uma tendência inata para serem cautelosos e retraídos, enquanto outros parecem ser imprudentes e barulhentos desde tenra idade. O narcisismo, ou a falta dele, pode simplesmente fazer parte da nossa natureza.
Mas a natureza não é o único fator contributivo. A “nutrição” – ou seja, a forma como os nossos pais, ou educadores, nos criaram – tem uma influência muito poderosa na nossa capacidade de nos amarmos.
Vejamos, por exemplo, a história de Olívia (nome fictício). Os seus pais eram rígidos e distantes, lembrando-a constantemente de manter os pés no chão. Disseram-lhe para não se orgulhar muito das suas conquistas e para deixar de sonhar com coisas que nunca alcançaria. Assim, Olívia parou de sonhar, temendo que os seus sonhos lhe custassem o amor dos seus pais. Na adolescência, Olívia não esperava amor e cuidado de ninguém. Na vida adulta, ela lutou contra este histórico pesado. Casou-se com um homem que teve várias relações extraconjugais e os seus laços familiares enfraqueceram. É uma história triste – mas estes padrões não são incomuns na história de pessoas com baixa autoestima.
A educação de Carlos (nome fictício), por outro lado, foi exatamente o oposto da Olívia. Os seus pais nunca pararam de lhe dizer o quão grande ele era, e que ele estava definitivamente destinado a ser alguém muito importante no mundo. Mas todos estes elogios eram vazios e não vinham de um sítio de verdadeira empatia e compreensão. Carlos cresceu com alguma vaidade, arrogância e profundamente triste e isolado (um sete ou oito no espectro do narcisismo).
“Sinais de alerta”
O narcisismo pode ser difícil de definir. Mas existem alguns indicadores que podem ajudá-lo a identificar. Já deu algum feedback a alguém e foi recompensado com uma série de comentários cáusticos sobre os seus muitos defeitos? Pode ter encontrado a fobia emocional de uma parte narcisista. As partes narcisistas carecem de verdadeira autoconfiança e são muito sensíveis às críticas. Por vezes, a única maneira de se sentirem melhor consigo é fazer com que outras pessoas se sintam piores; também são propensos a jogar à batata quente emocional – ou seja, tentam livrar-se de emoções que os façam sentir vulneráveis, projetando-as nos outros. Muitas vezes, farão grandes esforços para fazê-lo experimentar o que eles sentem internamente.
A lente narcísica sobre vulnerabilidade
Estudos conduzidos por psicólogos da Universidade de Surrey e da Universidade de Southampton mostraram a perfis narcisistas um vídeo onde uma mulher descreve suas experiências assustadoras com abuso doméstico. Os batimentos cardíacos dos participantes narcisistas aumentaram consideravelmente, um sinal claro de sentimentos empáticos. Quando veem que os outros estão a precisar ou sofrer, o seu comportamento arrogante, egoísta ou frio muitas vezes derrete-se e é substituído por compaixão e compreensão.
Portanto, se o comportamento de alguém o fizer sentir infeliz, não esconda. Claro, isto é mais fácil dizer do que fazer. Tendemos a ser especialistas em mascarar os nossos verdadeiros sentimentos. Se os nossos entes queridos exibem comportamento narcisista na forma de insensibilidade ou condescendência, tendemos a reagir com raiva e frustração. Outras vezes gelamos e ficamos sem qualquer reação.
Mas se conseguirmos identificar estas estratégias protetoras (por vezes impulsivas, outras vezes silenciadoras) em nós, temos a oportunidade de inverter a situação. Se não respondermos a partir da nossa raiva e, em vez disso, explicarmos calmamente como determinada ação nos fez sentir e porque nos fez sentir dessa maneira. Se explicarmos que a sua opinião é importante para nós e que o que disse nos fez sentir como incapazes ou pouco inteligentes. Isso desencadeará, mais depressa, sentimentos de empatia, amor e compaixão na outra pessoa.
O “Narcisismo” tornou-se uma palavra da moda e um diagnóstico rápido, mas o quanto realmente entendemos sobre esta configuração psicológica? O narcisismo faz parte da vida – todos nós partilhamos alguma tendência dentro do espectro. Ao analisar uma vasta gama de narcisistas – muitos deles celebridades – Joseph Burgo revela a vergonha oculta que está por detrás de toda a dor. Fica a sugestão de leitura se tiver interesse no tema.
Vera Lisa Barroso, Psicoterapeuta na Pessoalmente ®
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