Pessoalmente | Para além do Corpo – o impacto psicológico do Cancro da Mama
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Para além do Corpo – o impacto psicológico do Cancro da Mama

O cancro ocupa, infelizmente, uma posição de destaque entre as principais causas de mortalidade e morbidade no mundo. Nos últimos anos, tem se tornado um grande desafio para a saúde pública devido ao aumento significativo de casos.  O cancro da mama destaca-se como o segundo mais frequente. A sua complexidade está no facto de não existir uma única causa, mas sim a combinação de diversos factores — o que faz com que muitas mulheres só recebam o diagnóstico em momentos mais avançados, quando a luta já é mais difícil.

Diante desta realidade, nasceu o movimento Outubro Rosa, um chamado de esperança e consciencialização, onde o objetivo é claro: incentivar o diagnóstico precoce e, assim, aumentar as chances de vida. Mas para isso, é essencial que cada mulher se aproxime do seu próprio corpo, aprendendo a reconhecer sinais e mudanças que podem salvar a sua vida. O Outubro Rosa não fala apenas de prevenção… fala de cuidado, de amor-próprio e de uma rede de apoio que é fundamental para transformar o medo em coragem. É um movimento de esperança, solidariedade e reflexão sobre os múltiplos impactos do cancro da mama.

Enquanto a medicina avança em técnicas de diagnóstico precoce e tratamentos cada vez mais eficazes, é urgente olhar para outra dimensão igualmente relevante: o impacto psicológico da doença e as suas implicações na saúde mental das mulheres e dos homens que percorrem este caminho.

Escrevo este artigo com os pés nos dois lados da barricada, enquanto psicóloga que sempre acompanhou casos oncológicos e enquanto doente oncológica a viver na pele o violento, mas necessário, processo de tratamento.

Quando falamos em cancro da mama, quase sempre pensamos em mulheres. No entanto, não podemos deixar de lembrar que também os homens podem viver esta doença, mesmo que de forma rara, quando se estima que o cancro da mama masculino represente apenas 1% de todos os casos diagnosticados. Claramente, não é mais fácil fazer parte de percentagens até 1% e por isso esta nota de reconhecimento para os homens que vivem este diagnóstico.

Na mulher, a mama é, ao longo da história e das culturas, associada à Feminilidade, à Sexualidade e à Maternidade. Por isso, o cancro da mama atinge não apenas o corpo físico, mas também a identidade das mulheres. Cirurgias mutilantes, como a mastectomia e os efeitos colaterais da quimioterapia — queda de cabelo, pestanas e sobrancelhas, fadiga, náuseas, dores e todas as restantes alterações corporais — podem provocar este sentimento de perda, uma autoestima diminuída e o medo da rejeição. Estas alterações significativas na autoimagem durante o tratamento acabam por ter invariavelmente impacto direto na qualidade de vida em geral e nos relacionamentos.

Para os homens este impacto pode ser ainda mais desafiante: o estigma social associado ao “cancro da mama como uma doença da mulher” pode atrasar até a procura de ajuda, muitos homens podem sentir vergonha ou sentimentos de desadequação ao falar sobre a doença. A própria autoestima e masculinidade podem ser afetadas.

Um estudo publicado em 2024 na revista BMC Cancer mostra que os homens com este diagnóstico relatam níveis elevados de ansiedade e solidão, muitas vezes superiores aos das mulheres, pela ausência de grupos de apoio direcionados para eles (Abboah-Offei et al., 2024).

Quando a vida muda num segundo: AC/ DC

A vivência do cancro da mama envolve a passagem por três etapas: a recepção do diagnóstico, a escolha e realização do tipo de tratamento e a aceitação de um corpo marcado por uma nova imagem (Prates et al., 2017; Ardakani et al., 2019; Silva & Silva, 2020).

O momento em que se recebe um diagnóstico de cancro marca um divisor de águas na vida. A forma como se vê e percebe o mundo ao redor passa por mudanças profundas. É comum que surjam sentimentos intensos como choque, medo, incerteza, ansiedade, tristeza ou até raiva. Não é por acaso que esse instante é chamado de “momento zero”: a partir daqui, toda a trajetória se transforma, trazendo repercussões no corpo, na mente e também nas relações sociais (Prates et al., 2017).

O tratamento, por sua vez, representa uma chave essencial para que a esperança floresça. É visto como a possibilidade de um futuro melhor, a luz no fim do túnel que guia tanto quem carrega o cancro quanto para aqueles que caminham ao seu lado. No entanto, mesmo sob uma promessa de cura, este processo continua a trazer consigo desafios significativos e deixa marcas físicas, emocionais e sociais. Ainda assim, é nessa travessia que felizmente muitas mulheres descobrem a sua força, ressignificam a sua história e, em alguns casos, encontram até novos sentidos para a vida. A única certeza é que nada volta a ser igual depois de um cancro (DC).

Muitas mulheres desenvolvem ao longo desta travessia sintomas clínicos de depressão e/ou ansiedade. Outras sentem-se pressionadas a manter uma postura de “força”, escondendo as suas vulnerabilidades. Esta expectativa social, por vezes vivida no âmbito do próprio seio familiar, agrava o sofrimento destes processos e potencia um isolamento emocional… lembremo-nos sempre que é na intimidade de olhares perdidos, lágrimas escondidas ou de sorrisos forçados que se revela muitas vezes o peso invisível do cancro.

A Importância do apoio psicológico

O suporte psicológico é essencial em todas as fases: diagnóstico, tratamento, reabilitação ou cuidados paliativos. No dia em que recebi o meu diagnóstico tinha tido sessão com 3 pessoas que passaram por este processo – duas delas, cancro da mama. A psicoterapia oferece ferramentas para que as pessoas aprendam a lidar com as suas emoções, reconstruam a autoestima e encontrem novas formas de dar sentido à vida! A psicoterapia permite também que possamos partilhar toda a nossa experiência e sejamos mais do que um número ou um diagnóstico… porque por detrás das estatísticas estão as vidas reais, as histórias de coragem e os muitos momentos de angústia e dúvida, assim como famílias, amigos e cuidadores também massacrados pela ansiedade, medo e exaustão emocional que uma doença destas traz.

Neste Outubro Rosa, símbolo de luta, prevenção, Humanidade e empatia… fica o convite para que, como Sociedade, reconheçamos que tratar o cancro da mama vai muito além da cirurgia e da quimioterapia: passa também por cuidar da Alma, do Coração e das Emoções.

 

Vera Lisa Barroso, Psicoterapeuta na Pessoalmente ®

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